A burguesia do teletrabalho

Sinto-me enganado.

Com o passar da idade, comecei genuinamente a convencer-me que após já ter visto de tudo um pouco, "já mais nada me podia surpreender". 


Eis que aparece a Susana Peralta para provar o contrário com esta verdadeira posta de pescada:

"Houve uma parte substancial das pessoas em Portugal que não perderam rendimentos, toda a burguesia do teletrabalho, todas as pessoas do setor dos serviços que, aliás, são as pessoas mais bem pagas, o que também me inclui a mim. Esta crise poupou muito as pessoas que trabalham neste setor e são as pessoas com mais escolaridade. Podia-se perfeitamente ter lançado um imposto extraordinário sobre essas pessoas para dividirmos o custo desta crise."


Eu não sei quanto a vocês, mas quando esta pessoa decidiu mandar para o ar a expressão "burguesia do teletrabalho", a minha mente não perdeu tempo e comprou* logo o primeiro voo disponível no Momondo da Idade Média para ver com os meus próprios olhos se ficou alguma classe elitista por descobrir.


Um dia típico da vida dos burgueses do teletrabalho


Eu tenho uma sugestão melhor.

Em vez de um imposto adicional, podíamos antes trazer a guilhotina de volta.

Criavam-se logo uns quantos postos de trabalho directos para o fabrico de guilhotinas e o mercado de entretenimento subjacente, era deixá-lo florescer. Não tarda nada recebo uma chamada das televisões para contar a minha história de como consegui dar a volta à minha vida e consegui abrir um negócio em plena pandemia.


Esta senhora claramente escolheu esquecer-se que esta nova classe social não decidiu por obra do espírito santo acordar um dia e pura e simplesmente não voltar ao escritório para lidar com os colegas e chefes que tanto estima e ama. Não que já não tivesse pensado nisso antes.

É um facto que foi necessário uma situação extrema para que muitas empresas fossem obrigadas - por lei - a colocar muita gente em regime de trabalho remoto, confirmando que o mesmo não só é possível como é amplamente desejado em muitos sectores.

É também um facto que quem não tem essa possibilidade - pela natureza da sua actividade laboral e respectivas restrições - não optou voluntariamente de parar de trabalhar e ficar em casa a ser vassalo da uma prisão domiciliária que lhe impuseram, com o espectacular privilégio de assistir à sua própria ruína em primeira fila.

Ficará muito bem visto uma ideia destas a quem está no sufoco diário, onde no meio do desespero é bem-vinda qualquer bolha de ar, nem que isso implique arrastar os restantes para o lamaçal.


Mas deveremos sim repor a quem tudo lhes foi tirado, e nunca jamais procurar a quem mais podemos tirar.



Susana, se estás a ler isto, tens aqui um representante da comunidade da burguesia do teletrabalho que não só te autoriza assim como encoraja a dares o melhor robin dos bosques que há dentro de ti e que espalhes a tua (mas só a tua) riqueza a quem mais precisar.

Para fodidos da cabeça já estamos todos, por isso faz-nos a todos um favor e.... fica em casa.



*Comprei como burguês do teletrabalho abastado que sou. É lidar.

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